Edição Relógio d'Água de 1999
Tradução de Margarida Vale de Gato

Antologia de textos publicados entre 1927 e 1985, organizados e seleccionados por Etienne Rabaté. A tradução coube a Margarida Vale de Gato, que salienta as dificuldades em verter esta poesia pelo "cruzamento de sujeitos" e, por vezes, por uma não identificação exacta do que corresponde ao imaginário ou a uma realidade desconhecida e distante. "Há uma grande probabilidade de surgirem no texto bichos não identificados", como sucede em alguns poemas retirados de "As Minhas Propriedades".Associado ao surrealismo francês, Michaux, da mesma geração de Ponge ou Breton, move-se num universo além do movimento, demarcando-se sempre pela singularidade do estilo e uma outra plasticidade que lhe permite diversificar registos, cruzando a linguagem poética com a linguagem das imagens. Mas mais que isto permite-lhe experimentar os limites do sujeito. Foi aliás neste intuito de explorar as potencialidades do "espaço interior" que buscou estados de embriaguez alucinogénea para encontrar um novo substracto para a literatura. O livro "Miserável Milagre"(1956) é o resultado de uma dessas experiências, com mescalina.

Entre os vários legados que Henri Michaux nos terá deixado, além de uma poesia em que ironia e humor se conjugam de forma lapidar, não é possível esquecer algumas das 'sentenças', quase parábolas, presentes no livro "Tranches de Savoir"(1950). E que acima de tudo nos servem como "frases de bolso", citações para a vida, "fatias do saber" que só se consegue alcançar pela linguagem poética. Uma delas diz-nos assim: "Como detestaríamos menos os homens se nem todos tivessem rosto". Uma outra diz-nos também muito, mas desta vez do próprio Michaux e do seu modo de escrita, uma espécie de loucura gráfica, alucinada, em que o sujeito experimenta e se experimenta: "Quem esconde o seu louco, morre sem voz". É difícil resistir à tentação de citar uma terceira, uma imagem, afinal, do que pode ser a vida de um escritor, reiteração do dizer e de ser, cada vez de maneira diversa: "A minha vida: arrastar um carrinho de bebé debaixo de água. Os que nasceram cansados hão-de compreender-me".Um dos seus livros mais conhecidos, "Un Certain Plume" (1936), também representado na "Antologia", leva o absurdo a um limite kafkiano, com as pequenas narrativas de Mr. Plume, que funcionam como um outro eu em potência, aquilo que talvez se pudesse ser na ausência de responsabilidades e na presença só de si.